04 janeiro 2015

A Arte e a Internet




A Internet


De facto a Internet é hoje em dia um dos meios de comunicação mais estruturantes do nosso contexto social e cultural. Influencia, entre outras, áreas como a política, a economia e os negócios, as comunicações, as relações pessoais, e claro, a arte. 

Transformou a nossa relação com as noções pré-concebidas de espaço, tempo, fronteiras. Tornou o mundo acessível de forma imediata e global, possibilitando a divulgação de informação a velocidade instantânea, ignorando fronteiras geográficas, fusos horários e até idiomas. 

Deu origem a uma forma de organização social que pretende ser não hierárquica, baseada na democracia de acesso, e na qual os indivíduos se relacionam de acordo com interesses comuns, formando comunidades de elementos localizados em qualquer ponto do globo. 

Aproximou pessoas e lugares e possibilitou uma nova forma de existência: a existência virtual.

No que se refere ao indivíduo, a virtualidade permite a expansão da sua identidade para a criação de alter-egos que se movimentam pela rede, em plataformas como, por exemplo, Second Life. 

Já no que se refere à arte, a existência virtual tornou possível o acesso a um novo espaço de criação e divulgação, com características próprias, que permitiu o desenvolvimento de uma nova forma de expressão, completamente inserida no contexto pós modernista associado ao século XXI.




Apesar da Internet ter sido criada com base em fundamentos próprios de uma contracultura que se movimentava, nos anos 60 e 70, pelas universidades e centros de investigação dos Estados Unidos da América (a Internet teve origem num projeto de criação de uma rede informática interactiva, desenvolvido pela ARPA, do Departamento de Defesa dos EUA), e por isso defender para este novo meio de comunicação o acesso livre e a liberdade de expressão, importa referir que a interacção do usuário com a rede tem de ser suportada pelo conhecimento da linguagem de comunicação específica da rede, dependente da utilização de interfaces que medeiam a comunicação entre indivíduo e espaço virtual. 

E, tal como nos indica Lev Manovich, quando se refere aos novos meios, a forma de comunicação existente na rede integra, num mesmo meio, som, imagem e texto, resultando desta relação entre as várias formas da comunicação humana, as características particulares da Internet:

“...la revolución de los medios informáticos afecta a todas las fases de la comunicación, y abarca la captación, la manipulación, el almacenamiento y la distribución; así como afecta también a los medios de todo tipo, ya sean textos, imágenes fijas y en movimiento, sonido o construcciones espaciales.” (MANOVICH, 2005:64)

As características da rede estão intimamente relacionadas com o Homem e o desenvolvimento humano. O que se passa na Internet encontra paralelo com a realidade “real”, como, por exemplo, a questão da organização em rede. 

De um ponto de vista visual, esta forma de organização apresenta-se para nós como um emaranhado quase caótico de ligações entre diversos pontos. 

No entanto, esta situação é demonstrada pelo sociólogo Manuel Castells de uma forma elucidativa:

“Uma rede é um conjunto de nós interligados. As redes são formas muito antigas da actividade humana, mas actualmente essas redes ganharam uma nova vida, ao converterem-se em redes de informação, impulsionadas pela Internet. As redes têm enormes vantagens como ferramentas organizativas, graças à sua flexibilidade e adaptabilidade, características fundamentais para sobreviver e prosperar num contexto de mudança permanente.” (CASTELLS, 2007:15)


Entre arte e tecnologia


A procura de uma relação harmoniosa entre arte, ciência e tecnologia não é fruto dos tempos modernos ou pós-modernos. 

A tentativa de criar a partir das descobertas e inovações cientificas e tecnológicas é algo comum e recorrente por parte do artista, mas no século XX isso tornou-se uma característica mais generalizada. E talvez as origens dos novos caminhos artísticos percorridos ao longo do século passado, alguns direccionados para a procura desta relação constante entre arte e tecnologia, tenham sido delineados a partir do tão referenciado trabalho de Marcel Duchamp. 



Quando foi possível, numa atitude sem dúvida provocadora, expor objectos do quotidiano como obras de arte, desconstruíram-se as noções tradicionais associadas ao valor simbólico e estético do objecto artístico, à própria condição de autor/artista, de originalidade e até à condição de fruidor.

Sensivelmente a partir da década de 50 encontramos algumas novas formas de expressão que seguem este percurso de questionamento já proposto por Duchamp, ao qual se confrontam novas questões relacionadas com os limites do corpo físico, da percepção, do espaço, da temática, e consequentemente da própria arte.

A Arte Cibernética é uma das primeiras expressões artísticas multidisciplinares que, ao pretender cruzar arte, ciência e técnica, desenvolve obras que visam solicitar a participação do público, em parte através da criação de “ambientes” ou instalações com  suporte de sistemas electrónicos.

 A par, o novo interesse pela performance vem fomentar a reflexão sobre os limites do corpo físico: do corpo próprio, ou seja, do corpo do artista, e do corpo do outro, o corpo do observador, que participa na experiência. 

E com o desenvolvimento dos novos meios e dos sistemas de comunicação surgem projectos relacionados com a transmissão de som e imagem (principalmente em movimento), através da utilização do telefone, do cinema ou da televisão, com experimentações de artistas como Nam June Paik, Robert Whitman e até Bruce Nauman (Giannetti, 2006). 

A Video-Arte desenvolve-se e lança um interesse renovado sobre o fenómeno do audiovisual. A par, o recém-descoberto encanto pelo computador e pelas redes de comunicação abre o caminho para a Computer Art e para a Arte Telemática, que podem ser consideradas como as precursoras da arte de Internet. 

Neste campo, uma das experiências de referência é o projecto de Roy Ascott “Terminal Consciousness”, de 1980 (Ascott e Shanken, 2007). Este projecto internacional de teleconferência assistida por computador teve a duração de três semanas, ligando Ascott, em Bristol, Reino Unido, a outros sete artistas localizados em diferentes pontos dos EUA e do Reino Unido: Califórnia, Gales, Nova Iorque, Massachusetts e São Francisco.

O cruzamento entre arte, ciência e tecnologia permite a articulação de diálogos que apresentam em comum um novo entendimento do papel da Arte, focado na alteração das relações entre artista, obra e público.

“...as obras de Arte Cibernética e de Computer Art manejaram os conceitos de informação e comunicação e pretenderam ser sistemas abertos e funcionar, como tal, possibilitando a conexão entre meio, artista e obra, entre obra e público, ou entre obra e contexto.”
(GIANNETTI, 2006:52)



Arte de Internet ou net art



A net art é hoje uma expressão artística de certa forma paradoxal: se para alguns é ainda completamente desconhecida, para aqueles que foram os responsáveis pela sua criação, o seu encanto e o estímulo da novidade ficaram associados aos anos 90 do século passado.

Para alguns artistas e pesquisadores, a arte de Internet é um campo de estudo aliciante, não só pelas suas características artísticas e estéticas, mas também pelo meio de comunicação no qual se desenvolve, e que tão grande importância tem assumido ao longo dos últimos anos em diferentes vertentes do nosso quotidiano.

O início da arte de Internet situa-se, sensivelmente, entre os anos de 1994/95. Habitualmente associa-se a criação deste termo (net art) a uma situação acontecida com o artista Vuk Cosic, no qual este terá recebido um e-mail corrompido, onde somente era possível compreender a expressão net.Art. 




No entanto, como o próprio teve oportunidade de explicar (em The Influencers Festival, 2006), esta situação não foi mais do que uma experimentação artística pensada pelo artista russo Alexei Shulgin.

Os primeiros anos da net art viram surgir obras fundamentalmente relacionadas com as características do próprio meio. Criava-se com inspiração na linguagem comunicativa da rede, muitas vezes corrompendo essa mesma linguagem, deturpando mensagens, num contexto de subversão e de afirmação dos ideais dos artistas que inicialmente deram corpo a esta forma de expressão: Cosic, Shulgin, Heath Bunting, Olia Lialina, o colectivo JODI, entre outros. 

Actualmente, passados pouco mais de 10 anos sobre o despontar desta forma de arte, fala-se destes anos iniciais como o primeiro período da net art, que alguns artistas defendem tratar-se do período aúreo ou heróico desta arte (Cosic, The Influencers Festival).

Acerca da arte de Internet, Laura Baigorri e Lourdes Cilleruelo apresentam, em 2006 uma definição que se pode aplicar neste contexto, explicando também a especificidade destas obras:

“El “arte de red” (net.art), en cambio, utiliza la red en sí misma y/o su contenido –a cualquier nivel bien sea técnico, cultural o social– , como base de una obra de arte. El arte de Internet se puede definir como aquel net.art que hace uso específico de la red Internet.” (Baigorri e Cilleruelo, 2006:23)

“El término net.art hace referencia a las obras de arte creadas para Internet que explotan al máximo la especificidad del medio: su potencial de comunicación e interacción com el usuário, y su capacidad para crear contenidos a partir de estructuras complejas que enlazan imágenes, textos y sonidos. Son trabajos que utilizan simultáneamente el potencial de la Red como espacio de exposición y como medio de creación.” (Baigorri e Cilleruelo, 2006:11)

Do ponto de vista das suas características, a net art é uma forma de arte virtual (ou seja, não material) criada exclusivamente em e para a rede de Internet, dependente da utilização de interfaces físicas e virtuais, e com uma estética própria decorrente do meio de comunicação que lhe dá origem. É dinâmica e interactiva, desenvolvendo-se no espírito de relação com o observador e de interacção entre artista, usuário e rede. 

As obras criadas são efémeras, algumas vezes apresentadas enquanto obra-processo, e podem ser apreciadas através de múltipos pontos de acesso simultâneos, devido à sua divulgação global, a partir da qual se coloca a questão da reprodutibilidade e da originalidade associadas à obra de arte tradicional.

Com a arte de Internet o artista transformou-se num criador de obras não finalizadas, passíveis de uma intervenção colectiva, e o usuário encontrou a possibilidade de se tornar um co-autor, ou pelo menos um participante activo do projecto. 

Surgem questões relacionadas com a colectivização do acto de criação, assim como questões relacionadas com as instituições e o mercado, com as colecções e o coleccionador, com a preservação e a divulgação.

Pode-se considerar que, no momento actual, as duas grandes questões que gravitam em torno da net art correspondem à estética e à preservação das obras.

• Acerca da estética: a partir do momento e em consequência dos novos meios de comunicação, em que as novas tecnologias foram aplicadas à arte, constatou-se a falta de articulação na aplicação dos anteriores modelos de relacionamento, numa base científica, entre o sujeito e estes novos objectos artísticos. 

Uma das principais características das artes mediáticas e digitais, e logicamente da net art, é a interacção existente entre usuário (sujeito) e obra, e que é motivada pelas características do meio em que a obra é concebida. Neste contexto é notório que existe a perda de todo e qualquer afastamento relativo ao objecto, condição esta que se postulava como necessária à apreciação estética, e directamente relacionada com a aura de exclusividade e originalidade atribuída à obra de arte “tradicional”. 

Assim, e tal como Claudia Giannetti afirma ao longo da sua obra “Estética Digital”3, torna-se necessária uma nova abordagem que permita o enquadramento das obras de net art em categorias que vão além das conhecidas definições estéticas (belo, horrível, sublime), levando em consideração que a interacção actualmente é, não apenas possível, mas condição essencial destas obras.

“Para uma obra de arte de realidade virtual, que não tem original, as conotações do culto da exclusividade, de singularidade, no sentido de Walter Benjamin, não se sustentam. Na arte digital, a aura origina-se da inacessibilidade artifical ou do profundo contacto imersivo com o trabalho…” (Grau, 2007:293)

• Sobre a preservação: a evolução constante de hardware e software dos sistemas informáticos levanta certas dificuldades no que respeita à capacidade de preservação das obras digitais, e especificamente das obras de net art. O facto da net art se ter desenvolvido enquanto uma arte alternativa, à margem dos circuitos e das grandes instituições artísticas, levou a que as tácticas de preservação (e também de exibição) não tivessem acompanhado a obsolescência dos suportes. 

No entanto, nos últimos anos têm-se desenvolvido algumas iniciativas com vista a colmatar essa situação, como é exemplo o MEIAC4 (Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo), com a iniciativa NETescopio, levada a cabo pelo artista e curador argentino Gustavo Romano. 

As obras inseridas neste projecto são principalmente criadas por artistas ibero americanos, já que se encontra associado um interesse de divulgação que se enquadra nas premissas da instituição, focada principalmente nesse território.


A obra de net art


A relação do sujeito com a obra de net art é necessariamente diferente da existente com a obra de arte não mediática. Neste contexto, analisar e compreender uma obra de net art deve levar em consideração os seguintes aspectos: interface e acessibilidade, interactividade, tipo e temática, estética, entre outros.



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